terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Paris, cidade vermelha


A cidade-luz é a capital do turismo sexual amador "hardcore". Pelo preço de um copo de uísque pratica-se no centro da cidade sexo em grupo em dezenas de bares e discotecas. Clique para visitar o canal Life & Style.
Daniel Ribeiro (www.expresso.pt)
9:08 Terça-feira, 29 de Dez de 2009
Com dezenas e dezenas de bares, discotecas, banhos turcos e saunas nocturnas especializadas, Paris é actualmente a capital mundial da pornografia mais crua e do turismo sexual amador para todos os gostos. Em alguns anos, a capital francesa perdeu o lado glamour elegante do passado e transformou-se no paraíso do sexo livre, onde, pelo preço de um copo de uísque - geralmente a partir de 20 euros, dependendo da sofisticação do local -, se praticam todas as panóplias dos "desvios" heterossexuais, homossexuais, sadomasoquistas, transexuais, exibicionistas, voyeurs...
As orgias e misturas de casais, por vezes descontroladamente embrulhadas com homossexuais e travestis, são o pão-nosso das noites quentes de muitas e bem pouco discretas caves parisienses. Os lupanares decadentes, púnicos e caríssimos do quarteirão "vermelho" de Pigalle, na zona norte da cidade, já passaram definitivamente à história. Neste bairro, as célebres casas profissionais de prostitutas e de striptease encontram-se às moscas e em risco de falência. A Paris do frisson extremo, obsceno e imoral, pulula de gente "normal" e amadora, e é agora no centro histórico da cosmopolita metrópole - no Marais, nos Halles, no Quartier Latin, nas ruelas dos Campos Elísios, na Bastilha... Sexo gratuito
O renovado hardcore parisiense constata-se por exemplo no 41, na rua Quincampoix, entre o Marais, o Châtelet e os Halles. Este é um dos mais antigos locais échangistes de Paris, a dois minutos a pé do Centro Pompidou. A nova patroa - Jeanne, de cerca de 40 anos, que comprou a casa há um ano à sua fundadora, Denise Lascène - define-a sem papas na língua como "uma discoteca livre, onde se f... (faz sexo)".
Tal como acontece em praticamente todos os locais do género, no 41 não se paga bilhete à entrada. Aqui, cada bebida custa 22 euros e fazer sexo gratuito em grupo depende das afinidades momentâneas e da disposição da clientela que calha na rifa.
Jean, um turista belga, é um habitué - diz que viaja uma vez por mês no TGV de Bruxelas até Paris "apenas para 'isso'". São duas da madrugada de um sábado deste mês de Dezembro e as coisas "sérias" estão a começar. Uma vistosa rapariga morena de lábios carnudos pintados de vermelho vivo, com pouco mais de 30 anos, inicia uma felação na pequena pista de dança a um homem um pouco mais velho que, garantirá mais tarde, é o seu namorado.
De olhos semicerrados faz a seguir o mesmo a outros que a rodeiam, incluindo Jean. Recusa ir além do sexo oral e todos os presentes aceitam com respeito os limites que ela impõe. "Gosto muito disto, de fazer sexo em público, mas não aceito a penetração porque tenho medo que alguns deles não use preservativo", diz. Os homens, cerca de meia dúzia, passam-lhe com as mãos por onde querem. "Ça, c'est Paris"
Tudo acelera pouco depois: numa salinha iluminada por uma ténue e estranha luz violeta, contígua à pista circular da discoteca, três mulheres seminuas estão "ao monte", nos amplos sofás de cor vermelha, com diversos homens; na escadaria da retaguarda do bar, iluminada com pequenas luzes vermelhas indirectas vindas do solo, um travesti entra em acção; na saleta do primeiro andar, também usada como sala de fumo e onde são ininterruptamente projectados filmes pornográficos, uma rapariga é despida enquanto outra a beija e acaricia... Diversos homens assistem. Um deles masturba-se à vista de toda a gente e exclama, a rir: "Ça, c'est Paris! (Isto é Paris!)."
A patroa está animada e tranquila a servir ao balcão do bar, ao lado do marido e sócio, da mesma idade. Por enquanto, o casal não necessita de ir às salas animar a sessão, como faz habitualmente quando, explica Jeanne, "os clientes não atam nem desatam". Nesta noite, aliás, junto ao balcão do bar, uma mulher de 50 anos deixa que lhe beijem os seios nus...
Jean está agora na diminuta sala mais obscura dos sofás e, surpresa!, revela-se um voyeur. Acende uma pequena lâmpada de bolso e dirige a luz para os sexos, "para ver melhor", diz. O segurança, que controla a passagem para este local onde decorrem os bacanais mais hardcore, encolhe os ombros. "É um cliente habitué, nunca cria problemas, fica satisfeito por o deixarmos ver e se ninguém protestar deixamo-lo em paz", explica. Quatro milhões de preservativos
No entanto, o 41 - a designação é o número da porta - é considerada a mais soft discoteca 'livre' de Paris. É conhecida como sendo uma espécie de local iniciático para este tipo de práticas. Talvez seja verdade, porque a cidade-luz está transformada num gigantesco bordel, com dezenas de locais muito 'indecentes' e, por vezes, também demasiado sujos, que atraem uma numerosa clientela vinda do mundo inteiro. Ao contrário do 41, os nomes da maioria deles são sugestivos: Cupidon, 2+2, Pluriel, Chris et Manu, Cléopatre, Arena...
A grande novidade dos últimos anos é, no entanto, a multiplicação de espaços exclusivamente para homossexuais, do mesmo tipo impúdico dos que são frequentados maioritariamente por heterossexuais. No Marais, as noites começam geralmente em restaurantes e bares propriedade de homossexuais - por exemplo no caro Bouledogue, na rua Rambuteau, ou, ao lado, no Connectable, na rua dos Archives - e depois prolongam-se até de manhã em discotecas com ambientes incríveis. Aqui, nestas discotecas, os porteiros têm um 'olho' especial para impedir a entrada a quem não é homossexual. "É reservado a homos", dizem secamente aos heterossexuais que ousam apresentar-se à porta.
O belíssimo bairro do Marais é hoje reputado por ter o maior número de estabelecimentos homossexuais do mundo - de simples cafés a lojas de roupas, passando por salões de cabeleireiros, de beleza e de massagens, saunas ou bares e discotecas. O Expresso testemunhou no local que, na rua Vieille du Temple, até nos hotéis é recusada a entrada a clientes heterossexuais.
De acordo com informações fidedignas, existirão hoje, em Paris, cerca de meia centena de bares e discotecas com backrooms exclusivos para práticas de sexo live amador homossexual em grupo, a larga maioria instalada no Marais. O fenómeno - ao qual clientes vindos do mundo inteiro dão uma amplidão particular - inquieta as autoridades, devido aos riscos de propagação da sida. Diz-se que em alguns desses locais faz-se sexo sem protecção. "Nestes sítios consomem-se quatro milhões de preservativos por ano e no meu bar, no Quetzal, oferecemos um preservativo a cada cliente juntamente com a primeira bebida", informa Jean-François Chassagne, igualmente presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Gay de Paris. O Quetzal, situado igualmente no Marais, a escassos metros da Câmara de Paris, presidida por Bertrand Delanoë, homossexual assumido, é um dos mais antigos e afamados da capital francesa. É habitualmente frequentado por artistas, intelectuais e diplomatas. "As autoridades deveriam controlar melhor todos os locais, porque os preservativos esgotam às vezes ao princípio da noite e isso é de facto perigoso", reconhece Chassagne.
O mesmo acontece nos estabelecimentos muito frequentados por travestis, como no Folies Pigalle, junto ao famoso cabaret Moulin Rouge, onde, de madrugada, os distribuidores automáticos de preservativos estão frequentemente vazios. Aqui, os casais heterossexuais são bem-vindos porque contribuem para animar partys de sexo hardcore especiais, nos bastidores ou nas latrinas da imensa discoteca onde tudo começa por vezes também na pista de dança. "Aberta a tudo"
Alguns proprietários destas discotecas especiais aconselham os neófitos, e sobretudo os turistas, a prepararem-se mentalmente antes de visitarem os seus animados locais. "Não se vem a um sítio destes como quando se vai visitar a Torre Eiffel", avisa Jeanne. "No mínimo, acrescenta a dona do 41, as pessoas devem informar-se previamente, para não ficarem escandalizadas ou porque nalguns bares pratica-se sexo ao vivo em grupo sem condições de higiene, num ambiente de decadência e sem respeito designadamente pelo que as mulheres querem."
O asseio é de facto um problema - por exemplo, no 41, na "sala das orgias" vêem-se, às quatro da manhã, lenços de papel sujos um pouco por todo o lado.
Mas Jeanne tem razão sobre a necessidade da informação prévia. De facto, existem certas caves em Paris que, em princípio, são - ou deveriam ser... - completamente proibidas a não iniciados. É o caso do Keller's, numa rua com o mesmo nome, no bairro da Bastilha, onde nada adverte, à porta, que aí se pratica o sadomasoquismo. No entanto, para entrar no Keller's não é necessário ir equipado com chicotes, cabedais ou algemas - todo o equipamento é fornecido pela casa.
No 41 só não se aceitam sadomasoquistas. "Temos uma clientela sobretudo heterossexual, mas aceitamos as lésbicas, gays e travestis e, claro, os bissexuais", informa a patroa. Jeanne diz ser "aberta a tudo". Mas reconhece ser exagerado que o Marais seja hoje em dia um "bairro exclusivo de homossexuais".

(Texto publicado na Revista Única, edição 24 Dezembro 2009)

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